Análise das últimas duas décadas de chuvas em Aimorés-MG mostram por que a floresta passou de semidecidual a decidual – Por Pieter-Jan van der Veld*
Na série da televisão Cosmos, o famoso astrofísico Neil deGrasse Tyson demonstrou as mudanças climáticas através da uma caminhada na praia com um cachorro. O cachorro corre para frente do dono, depois volta, fica para atrás, anda para a água, se afasta… o animal faz assim uma trilha caprichosa, mas sempre acompanhando o dono. O caminho do cachorro era o tempo de dia a dia, de mês a mês, de ano a ano. Já a rota do homem era o trajeto do clima.
Quando olhamos para os dados de chuva na região do Instituto Terra nos últimos 20 anos, a gente está vendo o caminho do cachorro. Em 2002, as chuvas boas começaram em novembro, mas no ano seguinte, somente em dezembro. Os anos 2018 e 2019 foram de muita seca, mas o ano 2020 teve bastante chuva. Cada ano é diferente. O que nós precisamos aqui é distinguir o caminho do cachorro da rota do homem. Para fazer isso, podemos usar o método de média móvel.
O gráfico abaixo mostra a média móvel de cinco anos da chuva em Aimorés/MG durante o período de 2002 a 2020. O primeiro número é a média dos anos 2002 a 2006, o segundo é a média de 2003 a 2007, e assim por diante. Dessa forma, podemos comparar as flutuações ano a ano e ver qual é a tendência do clima no longo prazo.
A linha azul constante representa a média móvel, que dá uma ideia sobre como o clima se comportou nos últimos 20 anos. É importante perceber que o gráfico pode enganar. O pico no meio de gráfico dá a impressão de que, durante alguns anos, houve uma pequena melhora nas chuvas registradas, mas essa não é a realidade. Em dezembro de 2013, houve uma enchente na região, e isso jogou a média para cima no trecho do gráfico 2009-2013 até 2013-2017.
Portanto, a melhor forma de compreender é olhar para a linha da tendência, que é a linha pontilhada. A linha da tendência começa uma média móvel um pouco acima de 1.200 mm e, 20 anos mais tarde, termina em cerca de 700 mm (menos de 60% da média inicial). Se levamos em conta também a distorção causada pela enchente de dezembro 2013, podemos dizer que hoje em dia temos um regime da chuva que ficou quase a metade de como era 20 anos atrás.
Para entender melhor a mudança do clima regional, fizemos uma comparação entre a última e a penúltima década. Os dados mostram que houve mais seca e uma estação de chuvas mais curta e irregular. A última década teve quatro períodos contínuos de três meses ou mais de chuva razoável ou boa, enquanto a penúltima teve sete períodos assim. A penúltima década teve 18 meses com chuva boa, acima de 200 mm, e a última década, somente oito. As comparações entre as décadas também mostram uma estação de seca mais rígida. Mesmo na estação de seca, pode acontecer de cair uma chuva fraca, mas que alivia o estresse hídrico das plantas e melhora as chances da sobrevivência das mudas recém-plantadas. A penúltima década teve 8 meses com chuva fraca durante a estação de seca, a última década teve somente 5 meses.
Não podemos confirmar que as mudanças climáticas na região da Aimorés são permanentes, mas tudo indica que sim. As análises estão de acordo com as previsões de modelos científicos sobre uma mudança climática global, com secas e enchentes mais severas. Também estão de acordo com os modelos científicos que preveem que desmatamento na Amazônia resulta em mais seca no Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil.
Na RPPN Fazenda Bulcão, as árvores que foram plantadas 10 ou 20 anos atrás e eram perfeitamente adequadas para o clima do local agora estão enfrentando um regime de chuvas bem menos favorável. Em termos da ecologia, podemos dizer que a floresta da RPPN Fazenda Bulcão passou de semidecidual a decidual (mata seca). Por isso, o Instituto Terra começou um trabalho de diversificação de espécies na Reserva. Na sombra das árvores da plantação original, a equipe do Instituto está plantando mudas de espécies nativas que pertençam a mata seca, assim estabelecendo uma floresta sustentável adaptada para o novo clima.
Para o Instituto Terra e seu trabalho de restauração florestal, as mudanças no clima regional significam adaptações em suas técnicas de reflorestamento, especialmente na escolha das espécies de mudas nativas que serão plantadas na região.
* Pieter-Jan van der Veld é bacharel em Agricultura Tropical pela “International Agricultural College Larenstein” (Deventer, Holanda, 1991). Possui 25 anos de experiência em trabalho com pequenos agricultores e comunidades indígenas na Amazônia Legal. De março de 1998 até julho de 2019, trabalhou como Analista de Pesquisa e Desenvolvimento Socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA) – Programa Rio Negro, atuando na Terra Indígena Alto Rio Negro. Tem desenvolvido Pesquisas Participativas com comunidades alternativas e escolas indígenas diferenciadas, atividades de Manejo Sustentável de Recursos Naturais e atividades de Produção Agrícola Alternativa, atuando principalmente com pesquisa de paisagens indígenas, levantamento de recursos florestais, levantamento de recursos pesqueiros, etnomapeamento, gestão de projetos pelas associações indígenas, piscicultura indígena, meliponicultura, manejo agroflorestal e gerência de viveiros de mudas. Atualmente, Pieter trabalha como assessor técnico no Instituto Terra, contribuindo para projetos de desenvolvimento socioeconômico, restauração ecossistêmica e recuperação de nascentes.